quinta-feira, 20 de setembro de 2007

As coisas simples da vida



Acordo todos os dias, faço meu café amargo, como meu pão com manteiga comprada no armazém da cidade, vejo os meus filhos que ainda dormem, dou um beijo na minha mulher e vou para praia, preparar a rede para pescar.
É, o sol ainda não raiou, mas já tenho que preparar tudo. Aí vem meu companheiro de pesca, Wagner. Conheço o Wagner desde que erámos moleques. brincavamos juntos e iamos para escola juntos, nossos pais também eram amigos e acho que não poderia ser diferente conosco.
Lembro que enquanto nossos pais estavam em alto-mar, nós ficavamos esperando na areia da praia, as vezes com medo da tempestade forte que derrubava coqueiros. Mas eles sempre voltavam sãos e salvos.
Até que um dia meu pai não voltou. Fiquei assustado e preocupado, já que não tinha tempestade em terra firme. Mas o seu Antenor, pai do Wagner, me disse que teve uma tempestade forte no alto-mar, e meu pai tinha caido do barco.
Minha mãe chorou, chorou desesperadamente. Seu Antenor pediu pra eu e meu irmão caçula ir dormir na casa dele, enquanto minha mãe ia passar uns dias na casa da minha avó.
As buscas duraram uma semana, mas não acharam nada. Nem o corpo, nem as roupas, nem o barco do meu pai.
Decidi que a partir daquele dia, não ia mais olhar para o mar.
Pois o mar tirou meu pai de mim.
Como é que o mar podia fazer isso com as pessoas? Quem deu essa autoridade para o Mar? Então decidi sair daquele lugar, mas ainda era jovem e não podia deixar minha mãe só.
Comecei a trabalhar com 12 anos na venda da cidade, que ficava a 20km de casa. Logo tive que sair da escola, pois trabalhar meio periodo não dava para pagar as contas de casa. Minha mãe lavava roupas e fazia bolos, mas numa comunidade de pescadores, isso não dá muito dinheiro.
Seu Antenor sempre ajudava, e pedia para eu pescar com ele e o Wagner, mas no começo eu rejeitava. Até que um dia, ele me chamou em sua casa para ter uma conversa.
Quando cheguei, ele estava consertando os remendos da rede.
Me cumprimentou e pediu para que eu fosse com ele até as pedras para conversar.
Me disse que não sabia como eu me sentia, já que ele ainda tinha pai e mãe.
Mas me mostrou a rede que remendava.
Disse que ele podia simplesmente não remendá-la, já que os remendos eram poucos, e não atrapalharia muito na pesca.
Mas então ele disse: - Se eu deixo de remendar hoje, amanhã, depois de amanhã... vai chegar uma hora que não terá mais como consertar! Então, antes que sua rede fique sem conserto, deixe de bobagem e procure alguém para ajudar a consertar.
Bom, agora toda vez que vejo o mar, não penso em fugir.
Mas, em enfrentá-lo com dignidade e respeito.
E quando vejo meus filhos, penso em como ser um bom pai.
Lembro do meu pai, que era feliz, meio duro em algumas atitudes, mas sempre com ternura.
Lembro também do quanto ele amava minha mãe e quanto ela o amava.
As coisas aconteceram em minha vida, sem que eu tivesse tempo para entendê-las.
Mas a vida não parou para eu tentar entender.
Ela continuou, e eu aprendi que eu tinha que buscar proveito de cada situação que me aparecia, mas sem que isso significasse usar ou abusar das pessoas.
Agora me despeço.
Não vou pescar porque hoje é domingo.
Vou fazer uma balança no quintal de casa para minha filha e comprar um cachorrinho na cidade pro meu filho mais tarde.
Faça algo simples por alguém que não espera por um gentileza e veja o resultado.

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